A enorme taxa de juros: os brasileiros podem pagar?
Durante o ano passado em várias oportunidades abordamos neste blog questões ligadas às altas taxas Selic e à estrutura fiscal injusta do “bolo fiscal” no Brasil e aos efeitos recessivos assim gerados, inibidores do desenvolvimento econômico e da distribuição de renda (ver aqui, aqui e aqui).
2016 se encerrou e o novo ano se inicia com importantes contribuições à crítica de tais políticas. De um lado, um estudo divulgado em dezembro de 2016 [1] pelo CEPR - Center For Economic And Policy Research, um conhecido “think tank” de Washington [2]. De outro, um artigo de 6 de janeiro corrente publicado no Valor Econômico, de autoria de economistas líderes da FIPE – Fundação Instituto de Pesquisa Econômicas da Universidade de São Paulo [3].
O título deste post é uma tradução aproximada da frase que encabeça trabalho do CEPR. O do artigo dos economistas da FIPE não é menos expressivo: “Repensando a crise”. O fato a destacar é que os autores dos dois trabalhos, pertencentes a escolas de pensamento econômico distintas, apresentam conclusões semelhantes sobre a atualidade da crise brasileira.
O trabalho do CEPR ressalta que o Brasil está pagando um altíssimo preço – asfixia do crescimento econômico e do emprego e progresso social – por causa da exorbitante taxa de juros na economia. Essa taxa está entre as quatro ou cinco mais altas do mundo, onde nosso país faz companhia a nações como Yemen e Egito, que sofrem as consequências de conflitos armados e/ou outros fatores de risco não presentes no Brasil. Os autores do estudo sustentam, com base em números, que as altas taxas de juros em nosso país não podem ser explicadas por risco de default, de inflação ou do balanço de pagamentos em moeda estrangeira. Por outro lado destacam que o spread bancário aumentou de 12,8% para 23,9% desde 2012 até hoje e os lucros dos bancos se tornaram astronômicos, não obstante os seus riscos terem se reduzido dada a forte participação dos títulos da dívida pública em suas carteiras. Belos lucros, enquanto o país entrava em queda livre, puxado pela recessão.
O artigo dos economistas da FIPE, transcrito aqui neste site, é um primor de síntese, merecedor de ampla divulgação. Reproduzimos a seguir um trecho:
“(...) o fato de o país ter problemas fiscais não significa que a solução seja fiscal. Num artigo recente no jornal O Globo, Edmar Bacha se refere à magnitude dos desequilíbrios fiscais brasileiros. Apesar de preocupantes, um déficit primário de 2% do PIB, uma dívida pública bruta de 78% do PIB, e uma dívida líquida de 45 % do PIB (descontadas as reservas internacionais, e os empréstimos dos bancos públicos, e.g. BNDES, ao setor privado) fazem do Brasil um país com desequilíbrios fiscais modestos.
O tratado de Maastrich, que guia as políticas fiscais europeias, preconiza um déficit não maior do que 3% do PIB e uma dívida pública não maior do que 60% do PIB. A maioria dos países europeus tem dívidas públicas brutas (e líquidas) bem maiores em relação ao PIB: Alemanha: 75 e 50 %, França 95 e 87 %, Japão 249 e 126 %, Estados Unidos: 104 e 80 %. O déficit primário de 2 % do PIB do Brasil poderia ser facilmente absorvido não fossem os juros sobre a dívida pública de 8 % do PIB. Um déficit primário modesto em circunstâncias normais, transforma-se num déficit de 10 por cento do PIB. E, com o PIB em declínio, um problema solucionável se transforma em crise (...)” (grifo nosso).
Os dois trabalhos convergem: o que o país demanda é muito mais do que contenção fiscal. Para controle das despesas já tínhamos e temos os instrumentos da legíslação orçamentária e a LRF – lei de responsabilidade fiscal. A emenda de teto de gastos não era necessária, pode até piorar a crise.
O que precisamos é obedecer a legislação pré-existente e lançar ações restauradoras do crescimento, sintetizadas com clareza pela FIPE – dentre elas a redução da taxa de juros e o incremento dos investimentos públicos em infraestrutura.
Ao divulgar esses elogiáveis trabalhos este blog pretende contribuir com um alerta quanto aos investimentos que cabem ao Estado. Eles devem ser pautados por duas ordens de cuidados.
A seleção correta dos projetos.
Sem prejuizo das análises econômicas ou estritamente financeiras a serem feitas sob os ângulos dos diferentes atores sociais, os principais critérios de seleção devem focalizar a aderência dos projetos às políticas públicas pertinentes e o retorno socioeconômico das inversões efetuadas, sem iníquas transferências de renda. Cabem ao Estado a seleção e a definição das prioridades, transparentemente. E não a terceiros, às vezes de forma obscura. Como dizia Bobbio, queremos o governo do poder público em público e não o poder invisível.
A escolha apropriada do método de execução.
Os projetos poderão ser executados diretamente pelo governo ou delegados ao setor privado, segundo as regras do jogo do interesse público. Uma vez assegurado esse princípio, não há porque ceder a preconceitos à esquerda ou à direita na escolha do método. Dessa forma poderemos tratar com zelo a implantação e operação dos projetos, sejam eles físicos ou de processos, para alcançar a melhor relação possível entre recursos aplicados e resultados auferidos.
Essas ponderações aparentemente óbvias desvelam um dos maiores desafios que se antepõem à modernização da infraestrutura no Brasil, com equidade distributiva dos benefícios e custos: precisamos melhorar a governança tecnopolítica com presteza. Antes mesmo de encetar ou completar a reforma do Estado. Será possível?
É assunto para futuros posts deste blog.
[1] “Brazil’s Enormous Interest Rate Tax: Can Brazilians Afford It?” de Mark Weisbrot, Jake Johnston e Julia Villarruel Carrillo.
http://cepr.net/publications/reports/brazil-s-enormous-interest-rate-tax-can-brazilians-afford-it
[2] O CEPR abriga uma forte equipe de especialistas em economia política. Em seu conselho dirigente figuram economistas, cientistas sociais, especialistas em questões sindicais e membros da academia. No conselho consultivo de assuntos econômicos têm assento Robert Solow e Joseph Stiglitiz, ambos prêmio Nobel.
[3] Os autores do trabalho da FIPE são os economistas Carlos Luque, Simão Silber e Roberto Zagha. O texto, imperdível, pode ser lido em página própria deste site, aqui.
Obs: A imagem inserida deste post é do acervo WIX.